À medida que vai amanhecendo, o céu sobre Copenhaga começa a ficar com tons de vermelho, mas para Michael Skeel Fahlsten a noite ainda não acabou. Este desenhador de sites na Internet, de 29 anos, está a fazer o «roteiro da morte».
Na capital dinamarquesa, este é o nome que se dá a todos aqueles que não se deitam e que andam de bar em bar com os amigos, num estado cada vez maior de embriaguez.
Acompanhado do seu primo Anders Skeel Bytzau, Fahlsten está à espera numa fila para entrar no Hong Kong, um bar decadente situado à beira-mar. Uma música ruidosa extravasa para a rua empedrada. «É formidável porque nunca fecha!», diz Fahlsten com um sorriso envergonhado, enquanto Bytzau puxa o fumo de um cigarro.
Estes jovens podem pensar que estão simplesmente a divertir-se, mas especialistas em saúde dizem que o seu comportamento ajuda a explicar o porquê de os Dinamarqueses estarem entre os menos saudáveis da Europa.
Entretanto, a cerca de 600 km a nordeste de Estocolmo, a família Sewerin está prestes a começar o ritual de domingo. «Acordamos às 8 da manhã, pomos os miúdos no carro e vamos», diz Maria Sewerin, de 42 anos e mãe a tempo inteiro. Em breve Maria e Anders — o marido, que é consultor administrativo — estarão a correr à volta de um ginásio jogando innebandy (uma versão sueca de hóquei em patins) com os filhos Oscar e Disa, e um grupo de amigos.
Depois do jogo, todos se precipitam para a sauna, que é outro ritual tradicional. «Claro que nos preocupamos com a nossa saúde», diz Anders, de 44 anos. «Mas nós fazemo-lo porque gostamos. Faz parte da nossa mentalidade.»
Esta mentalidade ajuda a explicar porque é que os Suecos são os mais saudáveis da Europa. Graças, em parte, a um exercício regular, uma alimentação nutritiva, um consumo moderado de álcool e de tabaco e um excelente serviço de saúde, o sueco vive em média quase até aos 80 anos. O que significa três anos mais do que os Dinamarqueses e seis anos mais do que o europeu médio.
Evidentemente que o bem-estar económico e a situação social de cada um pode limitar o tipo de exercício que se faz, a comida que se pode comprar e a qualidade dos cuidados médicos disponíveis. No entanto, «o único factor que é realmente importante na saúde de qualquer população é o estilo de vida. A forma como as pessoas vivem o dia-a-dia», diz Martin McKee, professor na Escola Londrina de Higiene e Medicina Tropical e perito em saúde comparada.
Na Suécia, os factores alinham-se todos de forma favorável. Além de viverem mais tempo, os Suecos sofrem em menor número de doenças do foro circulatório, cardiovascular e cancerígeno do que a maioria dos seus colegas europeus. E quando têm um cancro, têm mais hipóteses de sobreviver.
Esta proeza sueca resulta de um trabalho árduo. O desporto, por exemplo, está profundamente enraizado na cultura sueca. Quer seja innebandy, hóquei no gelo, futebol ou a forma sueca de aeróbica, chamada Friskis och Svettis, que quer dizer «Saúde e Suor».
Nos locais de emprego, há cestas de fruta em várias mesas. Um grande número de empresas oferece aos seus funcionários uma hora por semana para exercício físico, e aquelas que subsidiam programas de ginástica podem usufruir de alguns benefícios fiscais.
Mas os benefícios fiscais representam apenas uma de muitas outras acções através das quais o Governo Sueco tem promovido estilos de vida saudáveis. Por exemplo, a agressiva campanha contra o consumo excessivo de álcool já data do século XIX, altura em que o alcoolismo estava em fase ascendente. O Estado continua a ter o monopólio e o controle da venda de vinho e de bebidas espirituosas. E as bebidas alcoólicas são fortemente tributadas (embora o preço do vinho comece agora a ficar alinhado com o dos outros países da Europa do Norte).
Actualmente, a Comissão Sueca do Álcool faz circular uma grande quantidade de mensagens contra o consumo de bebidas alcoólicas. Na televisão, a estrela pop Stakka Bo aconselha moderação no consumo de álcool. «Um dos principais problemas em tornar-se um alcoólico», diz ele, «é a diversão que se vive no percurso até lá chegar.»
Os cigarros também são fortemente tributados. Não é permitido fumar no local de trabalho, a não ser que seja numa área reservada para o efeito, uma prática que brevemente se poderá estender aos restaurantes.
«Em termos de saúde, a Suécia conseguiu alcançar um bom nível», diz McKee. Porquê? «Tem muito a ver com culpa», diz Britt Reigo, vice-presidente da Ericsson, a empresa de telecomunicações sueca. «Iluminados por Lutero, tentamos sempre fazer o que julgamos estar certo.»
O sucesso desta história na Suécia é copiado pelos vizinhos nórdicos: Noruega, Islândia e Finlândia. Mas a Finlândia nem sempre foi um modelo de boa saúde.
No princípio dos anos 1970, o número de mortes na Finlândia derivadas de doenças cardiovasculares estava entre as mais elevadas do Mundo. Em resposta a isso, o Governo lançou um conjunto de reformas na região pobre do Norte da Carélia.
Subsidiou o cultivo de cereais, produziu mais leite meio-gordo e alterou a alimentação nas escolas. Um dos produtos secundários do projecto foi o Benecol, uma margarina vegetal, que reduz o colesterol.
Os resultados foram tão positivos que foram alargados ao resto do país. Por volta de 1995, o número de mortes anuais derivadas de doenças cardíacas entre os homens finlandeses diminuíra em 65%. Também o cancro no pulmão baixou em mais de 70% no Norte e quase 60% em todo o território. «A Finlândia é a prova do sucesso destas reformas!», diz Franklin Apfel, um administrativo da Organização Mundial de Saúde em Copenhaga. Tal como os Suecos e os Finlandeses, os Dinamarqueses são prósperos, educados e orgulhosos do seu vasto sistema de saúde. No entanto, parece que todas as pessoas fumam na Dinamarca, a toda a hora e em qualquer sítio: depois das aulas de ginástica, entre os pratos às refeições e até nas enfermarias dos hospitais. Segundo a Organização Mundial de Saúde, os Dinamarqueses fumam em média 1635 cigarros por ano, enquanto na Suécia fumam 711. As mulheres dinamarquesas fumam quase tanto como os homens, e o preço a pagar é o terem a taxa mais alta da Europa de cancro no pulmão.
Para além dos cigarros, também os charutos são populares na Dinamarca, mesmo entre as mulheres. «Os charutos são giros e estão na moda», diz Claudia Wionczek, de 23 anos, olhos brilhantes e funcionária da W. Ø. Larsen, uma tabacaria de Copenhaga. Wionczek é fanática da boa condição física, corre, levanta pesos e joga ténis e sabe dos riscos provocados pelo fumo, mas não está preocupada. «Todos os meus amigos fumam charutos», diz. «Fazemo-lo para relaxar.»
A alimentação também contribui para o agravamento da saúde no país. Tradicionalmente, os Dinamarqueses barram as suas sanduíches com banha de porco (smørrebrød). Hoje em dia, a sanduíche mais popular é a que leva leverpostej, um pâté tradicional feito com fígado, gordura e natas. Quando há tempos houve um incêndio numa dessas fábricas que produzem leverpostej, desencadeou-se uma crise nacional. Os fabricantes publicaram anúncios assegurando ao público que o seu prato favorito brevemente iria estar de volta.
«Porque é que os Dinamarqueses comem, bebem e fumam desmesuradamente, sabendo que os espera uma morte prematura? «Não gostamos de regras», explica Michael Skeel Fahlsten, o desenhador de sites na Internet que faz o «roteiro da morte». «Gostamos de um bocadinho de anarquia!»
O célebre chefe de cozinha dinamarquês Claus Meyer acrescenta que se dá demasiado ênfase à saúde e pouco ao prazer. «As crianças aprendem sobre os perigos da comida e a necessidade de esterilização e pasteurização», diz. «Eu quero que as pessoas gostem do que comem. Isso terá um impacto maior na longevidade.»
Fora da Escandinávia, é nas antigas nações comunistas que se encontram as pessoas menos saudáveis da Europa. Ao longo de várias gerações, as pessoas viveram na pobreza e a alimentação era baseada em porco, gordura e couves; fruta rica em vitaminas, tal como bananas e laranjas, era praticamente desconhecida.
Com as reformas económicas, a comida cheia de gordura na Polónia, na República Checa e na Eslováquia foi substituída por uma alimentação mais saudável. Mas a Hungria, onde a esperança de vida é de 71,5 anos, ainda tem um longo caminho a percorrer.
A deliciosa cozinha da Hungria é mundialmente conhecida, mas também não é nada saudável. Os cozinheiros começam tradicionalmente com banha de porco, engrossam a comida com farinha e acrescentam natas azedas. Um dos pratos que pode encontrar-se em quase todas as mesas é um creme de vegetais com base no rántás, que é um molho feito de banha de porco.
«É delicioso mas terrível!», diz George Lang, proprietário de um restaurante húngaro em Nova Iorque. «As pessoas na Hungria não sabem as coisas básicas. Despejam metade do saleiro na comida apesar de terem a tensão arterial alta!»
Com base na maioria dos padrões de saúde, a Hungria está em péssima forma. Tem uma elevada taxa de consumo de álcool e a cirrose no fígado é um problema gravíssimo. Tem a maior taxa de mortalidade de cancro nos pulmões da Europa. Geralmente, 20% das mortes na Hungria estão relacionadas com o fumo do tabaco, e 10 a 12%, com o álcool.
Durante metade de um século, vários equipamentos para despistagem do cancro na cervical estiveram disponíveis para todas as mulheres, mas apenas 15 a 20% de entre elas tiraram partido disso.
«As pessoas pura e simplesmente não prestam atenção», diz Erzsébet Podmaniczky, uma administrativa da Associação Médica Húngara. «Estamos sempre a pensar a curto prazo. Nunca planeamos a longo prazo.»
«Mas isto está a mudar», segundo diz o Dr. András Jávor, director do Programa de Saúde Pública Nacional na Hungria. O Estado está empenhado num novo e ambicioso programa de saúde que inclui aumento de recursos financeiros para os serviços de saúde, grande quantidade de equipamentos de despistagem para os vários tipos de cancro e educação pública.
Mas vai ser uma batalha difícil. O Dr. Jávor cita médicos, muitos deles oncologistas, que fumam em frente dos pacientes. «É inaceitável!», diz. O que é que o futuro nos reserva? Como McKee chama a atenção, «É muito mais fácil ter boa saúde num país próspero do que num pobre.» Assim, como os níveis de vida aumentaram, a saúde na sua globalidade tem melhorado consideravelmente por toda a Europa nos últimos 30 anos. São boas notícias para as pessoas dos países mais pobres: à medida que ficam mais ricos, devem viver mais anos e com mais saúde.
No caso dos países mais ricos, é necessário uma contínua vigilância. O álcool, por exemplo, é o assassino número um dos jovens, sendo responsável por uma em cada quatro mortes entre os 15 e os 29 anos. Em 1999, morreram 55 000 jovens em toda a Europa por causas ligadas ao álcool.
Os especialistas dizem que talvez com a abertura das fronteiras e uma só moeda as diferenças nacionais se diluam e os estilos de vida europeus evoluam de forma a ficarem parecidos uns com os outros. A questão que se coloca é a seguinte: será a Suécia ou a Dinamarca a servir de modelo?
«Se querem viver mais anos e mais saudáveis, fumem e bebam menos, comam mais comida fresca e façam mais exercício», diz o especialista em saúde McKee. É tão simples como isto!
Fonte-http://www.seleccoes.pt/article/8454
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